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Capela Sistina, o ponto alto da Renascença

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A cada ano milhares de visitantes chegam ao Vaticano para admirar os afrescos pintados por Michelangelo. Neles estão retratados a mais sublime e dramática narração da história da humanidade: da criação ao último dia, do pecado à redenção e o juízo final.

Há mais de quatro séculos suas paredes, ininterruptamente, nos falam da mais alta catequese artística. Além disso, dentro dos seus 40,5 m x 13,5 m numerosos conclaves tornaram o lugar especialmente sagrado para a comunidade católica, quando os cardeais votaram e elegeram um novo papa.

Era o ano de 1508 quando o papa Julio II convocou Michelangelo Buonarroti para pintar o teto da Capela Sistina.  Essencialmente um escultor e sem experiência no campo dos afrescos, o artista empreendeu uma tarefa hercúlea durante vários meses, criando 334 figuras com uma beleza plástica que relegou para um segundo plano todas as obras dos celebres artistas (Botticelli, Pinturicchio, Ghirlandaio, Cósimo, Signorelli e Rosselli) que já tinham deixado suas marcas nas paredes da capela em anos anteriores, a mando de Sisto IV (daí a origem do nome da Capela), responsável pela sua construção e inaugurada em 15 de agosto de 1483, quando foi dedicada a Nossa Senhora da Assunção.
 Ainda hoje essas paredes laterais permanecem da mesma forma. Uma faixa inferior com afrescos que representam acortinados de seda. A faixa do meio com trabalhos que representam a vida de Moisés, por meio de histórias do Velho Testamento (parede da esquerda) e cenas da vida de Jesus, extraídas do Novo Testamento (parede direita). Acima, à altura das janelas, estão retratos de todos os pontífices até Sisto IV.

O Teto da Capela

Michelangelo iniciou seu trabalho em 1508. O projeto inicial proposto por Julio II era para pintar no teto a figura de 12 apóstolos, mas o gênio criativo do pintor falou mais alto e após obter a permissão do papa elaborou uma composição muito superior tanto do ponto de vista arquitetônico quanto iconográfico.


Antes de Michelangelo, o teto já tinha sido pintado por Perugino e foi sobre um céu repleto de estrelas que executou seus afrescos. Um trabalho que durou quase quatro anos, em que o pintor deu vida e cores a cenas do Velho Testamento, onde figuras bíblicas pintadas foram organizadas em grupos: três sobre a criação, três sobre Adão e Eva e três sobre a história de Noé. Esses painéis são ladeados pelas figuras de Sibilas (profetisas da mitologia grega) e de profetas hebreus. Os desenhos são intercalados por figuras atléticas masculinas (ignudi) que seguram medalhões de bronze.
  • Separação da Luz das Trevas - Deus afastando as nuvens das trevas e trazendo a luz.
  • A Criação do Sol e da Lua - Deus em pleno ato de criação, arremessa o sol e a lua para suas posições no universo.
  • A Separação da Terra da Água - A figura poderosa de Deus ao criar o firmamento
  • A Criação de Adão - Esse painel mostra o exato momento em que Adão recebe a energia da vida como dádiva de Deus.
  • A Criação de Eva - Deus ordena que Eva fique em pé ao lado de Adão.
  • O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso - O painel está dividido em duas cenas. À esquerda mostra Adão e Eva no Jardim do Éden, com Eva olhando para trás para colher a fruta proibida da Árvore do Conhecimento, onde a serpente, metade mulher, metade réptil está a lhe oferecer. A cena à direita, mostra a expulsão do casal e o anjo com a espada flamejante que Deus colocou no Éden  para guardar a entrada do Jardim.
  • O Sacrifício de Noé -  Um altar é construído em agradecimento por ter sido salvo. É feita uma oferenda e Deus abençoou Noé e sua família.
  • O Dilúvio Universal
  • Noé Embriagado - Proprietário de vinhedos, Noé embriagado fica nu. Seu filho Cam o mostra, mas os irmãos Jafet e Sem desviam os olhos
Na zona mediana estão pintadas figuras de Profetas e Sibilas, esses tronos de videntes acrescentam um significado mais profundo ao sentido histórico das imagens do Antigo Testamento.  Nos quatros grandes cantos os espaços foram ocupados por pinturas que ilustram  a libertação milagrosa do povo eleito (Judite e Helofernes, David e Golias, Serpente de bronze e Punição de Aman).

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De todos os grupos pintados a imagem mais conhecida do teto da capela Sistina é a Criação de Adão.

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O Juízo Final

Uma das mais arrebatadoras obras de arte da História, marca o fim do Renascimento e é até os dias atuais uma das mais controversas. Tão grandioso é o seu impacto estético que continua suscitar novas interpretações, algumas delas conspiratórias.

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Mais de 20 anos após ter pintado o teto, Michelangelo, já sexagenário, retorna à Capela Sistina para pintar a parede do altar. Em um céu azul uniforme cerca de 400 personagens, quase todos despidos, estão suspensos com a imagem central de um Cristo jovem, sem barba, severo e juiz, que parece criar um vertiginoso turbilhão de ascensão e descida que envolvem aquelas figuras.

Envolto nesse turbilhão estão apóstolos e mártires, em torno do grupo do Cristo e da Virgem Maria, que parecem exprimir nas suas expressões e movimentos, ansiedade e preocupação pelo veredito que está por vir.
  
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Na parte inferior do afresco há anjos que tocam trombetas anunciando o Juízo para os que vão subir ao céu, à esquerda, e para os que descerão ao inferno, à direita. Mais embaixo, à esquerda, ocorre a Ressurreição da Carne; e à direita,  está a barca de Caronte para os que são chamados à presença de Minos, o juiz infernal.

Céu

Inferno
 Michelangelo retomou temas de Dante Alighieri para representar almas entre paraíso e inferno. São seres aterrorizados. Quem sabe, símbolos de um mundo destroçado, de uma Igreja envolvida em corrupção. Tempos em que o cristianismo se via abalado pela Reforma Protestante. A obra foi inaugurada em 1541.

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