Segundo a mitologia persa a Syngué Sabour é uma pedra mística que escuta os lamentos, as infelicidades e os sofrimentos de uma pessoa, que pode lhe confiar até os segredos mais íntimos que não ousaria revelar a ninguém. Até que um dia, quando tudo já lhe foi dito, ela explode e a pessoa se torna liberta de todo aquele peso que carregava.
Quando comecei o Projeto O Mundo de A a Z, ao fazer uma viagem pelos países, além do aspecto histórico e geográfico pesquisado, entraria também o artístico, com ênfase na literatura e na cinematografia do lugar. Do Afeganistão nada conhecia, a não ser o que todos sabem sobre o extremismo religioso, guerras, Talibã, pobreza e repressão às mulheres. Nunca imaginei que encontraria algum escritor que tivesse publicado algum livro recentemente e muito menos que existisse algum lançado no Brasil. Pois é, tem e mais de um.
Ao ler sobre o Projeto 198 Livros, do Blog Viaggiando, eu me deparei com Syngué Sabour - Pedra-de-paciência, de Atiq Rahimi. Disponível no site da Saraiva, em menos de 5 dias já estava com um exemplar em mãos. E qual não foi a minha surpresa ao terminar a leitura e saber que o autor do romance também tinha sido o roteirista e o diretor da adaptação do livro para o cinema.
O livro é ambientado em uma país muçulmano, provavelmente o Afeganistão. Conta o drama de uma mulher (a esposa) que cuida de um ex combatente do Jihad (seu marido), ferido na nuca durante uma briga de rua. O mesmo está em coma e em um quarto de uma casa simples da cidade em conflito, onde se podem ouvir as rajadas das metralhadoras e sentir a ameaça constante de invasão do lugar.
“Não divido mais meus dias em horas, minhas horas em minutos, meus minutos em segundos... um dia, para mim, é igual a 99 voltas de um terço!”
Ao serem abandonados, o casal e as duas filhas, pela família do marido, a mulher recebe a instrução do mulá para recitar 99 vezes por dia um dos 99 nomes de Deus durante 99 dias, e que ao completar esse período o homem deveria despertar. No entanto, após algumas semanas, a mulher se cansa dessa obrigação e começa a pensar em deixá-lo. Mas desiste ao tomar conhecimento de uma pedra chamada Syngué Sabour e, aos poucos, começa um verdadeiro monólogo com o doente.
Inicialmente conta-lhes pequenos segredos da infância, mas à medida que a narrativa evolui, começamos a perceber a carga de ressentimento da mulher com relação ao marido, que a brutalizava e sempre preferia a frente de batalha ao convívio familiar.
A cada dia a mulher lhe oferece soro, coloca colírio em seus olhos, mantendo-o vivo apenas para que possa continuar a ouvir tudo o que ela tem guardado, intimamente, durante os seus dez anos de casamento. No desenrolar dos acontecimentos é visível a angustia e desespero, beirando a loucura, da mulher, até quando ela chega a sua catarse emocional. Na verdade ele se torna a sua pedra de paciência, a sua Syngué Sabour.
No livro é feito um paralelo, onde o homem se torna a “Pedra de Paciência” daquela mulher tão oprimida e frustrada em sua vida sexual e que teve a oportunidade única e inimaginável de confessar tudo o que guardara para si por conta da condição feminina no mundo islâmico.
O desfecho da trama me surpreendeu, mas não poderia ter sido diferente, levando-se em conta que toda a narrativa tem um tom de denuncia contra a situação degradante a que são submetidas as mulheres, principalmente nas sociedades islâmicas. Daí o autor não dar nomes aos personagens e nem mesmo ao lugar, pois poderia ser qualquer um.
Autor: Atiq Rahimi nasceu em Cabul (Afeganistão) em 1962, mas é refugiado político na França desde 1985, onde se formou em Comunicação audiovisual. Esse livro foi dedicado à poeta afegã Nadia Anjuman, que foi espancada até a morte pelo próprio marido.Com ele o autor ganhou prêmio Goncourt de 2008.
Outras obras do autor: Terra e Cinzas, As mil Casas do Sonho e do Terror, Maldito Seja Dostoiévski.
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